E quem não sabe que nesse corpo eu sempre fui
macho, fui fêmea, fui raízes? E quem não sabe que nesse corpo eu sempre fui
bicho tentando e testando o máximo dos limites? E quem não sabe que nesse corpo
eu sempre fui performance e performer de mim mesma a cada palavra ou movimento construído? E quem não sabe que nesse corpo eu sempre fui íntimo e que desse corpo eu fui às vezes estrangeira. E íntima e estrangeiro. Eu sempre fui curioso e curiosa, eu sempre fui parte inteira. E
quem não sabe o que significou me fechar numa casa de pedra? Saiu esse corpo, esse enlouquecido uivo e riso que se reviu tantas vezes e se perguntou QUEM É VOCÊ? O
que é escolher estar mulher ? Assinaram por ti esse contrato? E
quem não sabe que nesse corpo sempre fui 3, sempre fui váries, variantes versões de mim. Hoje aqui. Depois. Eu quis mudar. E Fim.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2017
segunda-feira, 2 de dezembro de 2013
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
Eu sinceramente esqueci o quanto é entorpecente estar aqui. Temo muito as redes sociais em geral. Quase engavetei o projeto. Melhor que um terapeuta, às vezes, é um texto bem armado. Me sinto tão destreinada a escrever que de cinco em cinco segundos fico voltando a frase anterior pra ver quantos erros foram cometidos. Coisa de criança que não sabe lidar consigo mesma. Eu, aliás, estou destreinada a fazer e viver muitas coisas ainda.
A gente pode começar dizendo que elas eram três baianas, certo? Eu vou começar a falar da que é mais fácil (pra mim), além de já estar me dando a prerrogativa de cuspir primeiras pessoas desde o primeiro parágrafo. Como sempre. Eu escrevo o que vejo - e vejo uma ficção tremenda. Pra que falar de facilidade numa altura dessa, não? A primeira baiana era sutil. Tinha problemas com vírgulas. Comia acarajé até tufar. Lia Vozes Guardadas, menina. Menina. Uma vez que envolta nas suas roupas brancas, com aquele turbante na cabeça, com aquela segurança de si, protegendo ori, com seus planos pra daqui quatro anos, desenvoltura ao girar a saia. Se fazia parecer fortaleza com aquela seriedade nada peculiar e com o riso de saudade de uma sociedade mãe, que ficou do outro lado do oceano. Nada peculiar de sua idade. E tudo era real, porém tudo pareceu bobagem depois dos anos passando. Depois dos mesmos anos, sua receita e sua venda? escreviam o cheiro daquela calçada, no verão.
A segunda baiana é aquela deslocada na sua região, que apareceu com um pé meio fora do quintal, uma fita meio frouxa, a sandália meio gasta de tanto andar procurando os ingredientes. Nada exuberante. Essa moça era a que tinha um maior coração, cheio dos anos a mais, cheio dos sonhos. Pobre na organização. Só que cheia de experiência. Cheia de receitas de família e também pudera, que família. Ela que ri e ama sua cor, ela que ri e ama o seu corpo. Ela tinha um jeito de olhar por debaixo dos panos, de querer e não saber que horas. Imprecisa. A segunda baiana, essa tinha um quê quase surpreendente, que fazia o coração dos infelizes sair pela boca. Era tanta vontade de lhe provar a colher. Tinha umas mãos que iam, mesmo quando não sabiam onde e ficavam escondidas por baixo das saias lá pela meia noite/uma hora. Hora que não podia vender.
A terceira baiana eu não conheci muito bem, eu emprestei uma saia amarela, um coração gasto, uma cabeça incoerente que nunca sabia quando por o louro no feijão, exagero de pimenta do reino branca. Ai, ardia que só o diabo... Eu conheci só os dedos bem armados na colher de pau que mexia a panela, sabe? Era sempre em sentido anti-horário. Dedos prontos pra queimar um pouco. Sempre prontos pra doer a ferida de qualquer que fosse o infeliz que ousasse lhe deixar ou modificar o seu caminho... Ela que era livre dele. Dessa moça eu pude conhecer o pior todos os dias, além disso. Sem paz, cheirosa de solidão. Era acordar sem saber o que esperar da aurora do dia 2 de fevereiro, sabe? Às vezes, seu moço, nascia tão cinza, mas tão cinza que nem a linha do mundo se via, fora de salvador. Vishe, nesses dias eu me afundava naquela rede, ela nem mexia de um lado pro outro. Nem tinha vento nos cachos dela, nem tinha ânimo no meu corpo esquálido. Eu via seu rosto e ouvia seu nome o tempo inteirinho. A terceira baiana sabia dos anos, mais que a primeira, dos anjos. Sabia do tempo. E por isso lhe punha a culpa do queimado da panela, do excesso de pimenta. Pobre de mim!
domingo, 23 de setembro de 2012
de Álvaro de Campos
Cruzou por mim, veio ter comigo numa rua da Baixa, aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara, que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele e reciprocamente num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha (exceto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro: Não sou parvo nem romancista russo aplicado. E romantismo sim, mas devagar...).
Sinto uma simpatia por essa gente toda, sobretudo quando não merece simpatia. Sim, eu sou também vadio e pedinte e sou-o também por minha culpa. Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte, é estar ao lado da escala social, é não ser adaptável as normas da vida, às normas reais ou sentimentais da vida, não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta, não ser pobre a valer, empregado, explorado, não ser doente de uma doença incurável, não ser sedento da justiça ou capitão de cavalaria. Não ser enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas, que se fartam de letras porque têm razão para chorar lágrimas e se revoltam contra a vida social porque têm razão para isso supor.
Não: tudo menos ter razão, tudo menos importar-me com a humanidade, tudo menos ceder ao humanitarismo. De que serve uma sensação, se há uma razão exterior a ela?
Sim, ser vadio e pedinte como eu sou, não é ser vadio e pedinte, o que é corrente: É ser isolado na alma e isso é que é ser vadio. É ter que pedir aos dias que passem e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.
Tudo mais é estúpido como um Dostoiévski ou um Gorki. Tudo mais é ter fome ou não ter o que vestir. E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente, que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.
Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato e estou-me rebolando numa grande caridade por mim. (...)
(heterônimo de Fernando Pessoa)
sábado, 23 de junho de 2012
À VERA ANTOUN
Por isso tenho amargado, margando na solidão
Mas tenho os olhos tranqüilos, de quem sabe seu preço,
Vou navegando, vou temperando,
Pra cima a coisa toda muda.
Pra baixo todo santo ajuda.”
Estavam naquele dia quietas pelo teu regaço de sentada,
Como e onde a tesoira e o ideal de uma outra.
Cismavas, olhando-me como se eu fosse o espaço.
Recordo para ter o que pensar, sem pensar.
De repente, num meio suspiro, interrompeste o que estavas sendo
Olhaste conscientemente para mim e disseste:
‘Tenho pena que todos os dias não sejam assim’.”
Podem voltar a ser, quem sabe? Acendo vela, queimo incenso — falo de você para Augusto e Mansa, lembro Leme, Botafogo, coloco o disco da Gal e fico ouvindo The archaic lonely blues — eu sei não me diga. Verinha, tudo passa, tudo vai embora — a gente tem que se encontrar. Meu livro deve sair no Brasil talvez até o fim do ano — eu ganharia + ou - 2.000 com a publicação — a gente podia usar esse dinheiro para a tua passagem, não é? Mas, sei lá, não queria que você viesse apenas por mim, entende? Em qualquer circunstância, eu acho, a experiência Europa é fundamental — desde que não se corte nenhum processo importante por aí. E pelas minhas cartas suecas você deve ter percebido que não é absolutamente uma coisa leve. A gente sangra e geme — mas sai mais vivo, “com a vida dividida pra lá e pra cá”. O que não queria é que você futuramente talvez me culpasse, entende? Mas acho que é besteira ficar tentando desvendar o futuro — apesar do tarot e do 1 Ching. Ao mesmo tempo gostaria que tomássemos alguma providência sobre a sua vinda. Mande me dizer o que você pensa de tudo isso mas pense bem, é uma coisa séria — muito mais do que a gente pensa quando está aí. Vou dormir. Amanhã é sábado, tem Portobello. Estou morto de cansaço, e minha cuca dói de tanto esforço, o dia inteiro, para pensar, falar e entender inglês. Às vezes, falando ou escrevendo em português, tenho uns brancos — só vem inglês. Ou acabo apanhando uma antipatia mortal por essa língua ou viro o maior admirador da face da Terra. Quero sonhar com você, com o sol e o cometa que vem no fim do ano — eu tô sabendo.
Caio.
segunda-feira, 14 de maio de 2012
Esse sábado fui conhecer o Cine Jóia, um cineminha independente aqui de copacabana (o único do bairro - acho - me corrijam se eu estiver errada), super charmoso. Fica numa galeria na Nossa Senhora, entre a Santa Clara e a Figueiredo, quem tiver interesse em mais informações, favoritei o blog deles nos meus "afins" ali na direita, embaixo.
Assisti ao filme "As Neves de Kilimandjaro", um drama francês super interessante que deixa um fiozinho de esperança acerca do lado bom das pessoas. O diretor é o Robert Guédiguian que dirigiu o "Último Verão" em 81 retratando o fechamento das fábricas de Marseille, cidade em que nasceu. MAS... Voltando às neves e as minhas críticas "sucintas" (e preguiçosas), achei um filme altruísta. Mostra que o Guédiguian, apesar dos pesares, acha que o ser humano ainda pode abrigar um bom coração.
Acabei indo ler alguma coisa a respeito da direção e descobri que a Agat Films é uma das poucas produtoras francesas que são, ainda, cooperativistas. Acho esse esquema de produção sofrido, mas válido. Trabalhar em esquema socialista nessa altura do campeonato pode ser sinal de loucura (e claro sinal de lutar contra a corrente), mas pelo sim ou pelo não, trouxe a tona um bom filme. Recomendo fortemente.
O filme tem uma naturalidade peculiar, é "rotineiro" desde o figurino até a atuação.
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