
Segundo Gilberto Gil, Chico Buarque teve poder constituinte em sua geração, o poder de constituir a marca de seu próprio tempo, poder esse que, em minha opinião, está presente na geração de Gil, na nossa própria geração e que ainda estará presente na geração de meus filhos e netos, porque eles sim, vão ouvir Chico Buarque e entender de forma diferente à que entendo e diferente à que meus pais entendiam. E Gil ainda disse que uma geração é um ciclo biológico e se cumpre o desígnio de constituir-se como marca de uma época, é também um ciclo histórico . Tal poder para cumprir tal desígnio alguns têm, assim como Chico e ao longo dos seus sessenta anos e quarenta, pelo menos, de vida publicada Chico tem 'exercitado' o poder constituinte através das formas a um só tempo eternas e renováveis de produção artística. Em tudo se faz presente segundo Gilberto, da exaltação da música e da poesia à emoção do combate cívico, da embriaguez pelo elixir da paixão ao sorver sóbrio da inteligência e da sensibilidade. Chico Buarque tem levado, por Gil, a fazer-se fonte e a tornar-se ponte, a seguir-se caminho por onde trilham gerações como a dele e para mim como a nossa. Não que vá se perdendo a cultura mas entre chances de conhecer a vida e obra do artista é de se admirar que sempre se parece conhecer pouco ou nada sobre o mesmo, que não se afirma 'carioca da gema', que frequenta o mesmo café de Paris à tempos, que literariamente quase perfeito se fez o Estorvo, ainda acho que Chico Buarque leva ao palco significativamente seu poder esquerdista de político e poeta, e ainda faz presente sua poesia amiga e oposta a de Caetano, com quem afirma parcerias belas e de outras ruas, uma vez respondido que admira a forma tomada pelo amigo, por mais que diferente da sua, que pra mim canta mais política, mais história e diferentes amores e é assim, à flor da pele, à estação derradeira, ao amante.
Chico ainda assim consegue se constituir no samba, no Rio, na Europa, na ditadura, no partido trabalhista por Maria Amélia Cesário Alvim, que 'não tinha a menor vaidade e que era mulher de verdade' e mãe de verdade de um artista de música, literatura, teatro, cinema e ainda política. É mesmo difícil aglomerar tudo de Chico, sempre parece faltar, faltar um pouco de A Banda que revolucionou e vendeu absurdamente de João e Maria, de Futuros Amantes, de Renata Maria, de Ode aos Ratos, e ainda de Luiz Cláudio Ramos (maestro e violão fiel), de Jorge Helder ( safíssimo nos sopros), de Bia Paes Leme (agilidade no piano) e sem falar em compositores tão especiais como Edu Lobo que se ouve na declaração, oh bela, de um sonhador titã, ou quem sabe que entristeceu a História de Lily Braun com nunca mais drinque no dancing, nunca mais cheese tão presentes em Carioca, tão presente quanto Sivuca e a 'lei que obriga a ser feliz' de João e Maria. Falar de Chico Buarque é lembrar de quarenta anos de história ou mais. Lembrar da primeira aparição pública por roubo de carros que preocupou Sérgio Buarque de Hollanda, lembrar 'Sem Compromisso' das quarentonas sambando, cantando, 'perdendo a saia e desfilando, natural', e ainda lembrar de que ele fica feliz por levantar jovens que o vêem como exemplo. Lembrar da revolta à parte da publicidade como em: "Pelo amor de Deus, tenho sessenta anos e fiquei entre os dez homens mais sexys do Brasil, onde já se viu". e ainda em seu jeito sedutor de trinta anos atrás cantando Mulheres de Atenas escrita durante o movimento feminista europeu e ele firmando que a música é um deboche: é justamente 'não, não se mirem no exemplo daquelas Mulheres de Atenas'. 'Quem te viu, quem te vê' que faz o samba sair e ainda faz Samba e Amor até mais tarde, todos sabemos, ou parte de nós que apesar de não gostar agora Chico é herói, bedel e juiz do Rio de Janeiro, e ainda da Música Popular Brasileira, do Brasil e 'é fatal que o faz de conta termine assim'.