segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Eis que vem o fantasma que me fez, a machadinha ainda no crânio. Tu podes deixar o chapéu na cabeça, sei que tens um buraco a mais. Eu queria que minha mãe tivesse tido um a menos, quando estava na carne: eu me teria poupado. Dever-se-iam costurar as mulheres, um mundo sem mães. Nós poderíamos nos chacinar em paz, e com alguma confiança, quando a vida se torna longa demais para nós ou a garganta estreita demais para os nossos gritos. Que queres tu de mim? Não te basta um funeral solene e oficial? Velho resmungão. Não tens sangue nos sapatos? O que me importa o teu cadáver? Contenta-te que a alça está de fora, talvez acabe mesmo chegando ao céu. O que é que está esperando? Os galos foram abatidos. Não há mais amanhecer.
Aquela que o rio não conservou. A mulher na forca. A mulher com as veias cortadas. A mulher com excesso de dose SOBRE OS LÁBIOS NEVE a mulher com a cabeça no fogão a gás. Ontem deixei de me matar. Estou só com meus seios, minha coxas, meu ventre. Rebento os instrumentos do meu cativeiro - a cadeira, a mesa, a cama. Destruo o campo de batalha que foi o meu lar. Escancaro as portas para que o vento possa entrar e o grito do mundo. Despedaço a janela. Com as mãos sangrando rasgo as fotografias dos homens que amei e que se serviram de mim na cama, mesa, na cadeira, no chão. Toco fogo da minha prisão. Atiro minhas roupas no fogo. Exumo do meu peito o relógio que era o meu coração. Vou para a rua, vestida em meu sangue.