terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Eu sinceramente esqueci o quanto é entorpecente estar aqui. Temo muito as redes sociais em geral. Quase engavetei o projeto. Melhor que um terapeuta, às vezes, é um texto bem armado. Me sinto tão destreinada a escrever que de cinco em cinco segundos fico voltando a frase anterior pra ver quantos erros foram cometidos. Coisa de criança que não sabe lidar consigo mesma. Eu, aliás, estou destreinada a fazer e viver muitas coisas ainda. 

A gente pode começar dizendo que elas eram três baianas, certo? Eu vou começar a falar da que é mais fácil (pra mim),  além de já estar me dando a prerrogativa de cuspir primeiras pessoas desde o primeiro parágrafo. Como sempre. Eu escrevo o que vejo - e vejo uma ficção tremenda. Pra que falar de facilidade numa altura dessa, não? A primeira baiana era sutil. Tinha problemas com vírgulas. Comia acarajé até tufar. Lia Vozes Guardadas, menina. Menina. Uma vez que envolta nas suas roupas brancas, com aquele turbante na cabeça, com aquela segurança de si, protegendo ori, com seus planos pra daqui quatro anos, desenvoltura ao girar a saia. Se fazia parecer fortaleza com aquela seriedade nada peculiar e com o riso de saudade de uma sociedade mãe, que ficou do outro lado do oceano. Nada peculiar de sua idade. E tudo era real, porém tudo pareceu bobagem depois dos anos passando. Depois dos mesmos anos, sua receita e sua venda? escreviam o cheiro daquela calçada, no verão.

A segunda baiana é aquela deslocada na sua região, que apareceu com um pé meio fora do quintal, uma fita meio frouxa, a sandália meio gasta de tanto andar procurando os ingredientes. Nada exuberante.  Essa moça era a que tinha um maior coração, cheio dos anos a mais, cheio dos sonhos. Pobre na organização. Só que cheia de experiência. Cheia de receitas de família e também pudera, que família. Ela que ri e ama sua cor, ela que ri e ama o seu corpo. Ela tinha um jeito de olhar por debaixo dos panos, de querer e não saber que horas. Imprecisa. A segunda baiana, essa tinha um quê quase surpreendente, que fazia o coração dos infelizes sair pela boca. Era tanta vontade de lhe provar a colher. Tinha umas mãos que iam, mesmo quando não sabiam onde e ficavam escondidas por baixo das saias lá pela meia noite/uma hora. Hora que não podia vender.

A terceira baiana eu não conheci muito bem, eu emprestei uma saia amarela, um coração gasto, uma cabeça incoerente que nunca sabia quando por o louro no feijão, exagero de pimenta do reino branca. Ai, ardia que só o diabo... Eu conheci só os dedos bem armados na colher de pau que mexia a panela, sabe? Era sempre em sentido anti-horário. Dedos prontos pra queimar um pouco. Sempre prontos pra doer a ferida de qualquer que fosse o infeliz que ousasse lhe deixar ou modificar o seu caminho... Ela que era livre dele. Dessa moça eu pude conhecer o pior todos os dias, além disso. Sem paz, cheirosa de solidão. Era acordar sem saber o que esperar da aurora do dia 2 de fevereiro, sabe? Às vezes, seu moço, nascia tão cinza, mas tão cinza que nem a linha do mundo se via, fora de salvador. Vishe, nesses dias eu me afundava naquela rede, ela nem mexia de um lado pro outro. Nem tinha vento nos cachos dela, nem tinha ânimo no meu corpo esquálido. Eu via seu rosto e ouvia seu nome o tempo inteirinho. A terceira baiana sabia dos anos, mais que a primeira, dos anjos. Sabia do tempo. E por isso lhe punha a culpa do queimado da panela, do excesso de pimenta. Pobre de mim!